domingo, 27 de setembro de 2015

A procrastinação nossa de cada escrita

Mariana Correia

       Há cinco dias tento escrever este texto e, pelo mesmo tanto de tempo, arranjo diversas coisas aparentemente muito mais importantes que estavam esquecidas na memória fluída da procrastinação e resolveram pular bem quando meu cérebro e minhas mãos deveriam produzir palavras enfileiradas em ideias coerentes.
       Neste exato instante (em que finalmente escrevo o texto do qual fugi vergonhosamente nestes cinco dias) imagino que todos já passaram por este fenômeno: basta termos algo para escrever, um prazo para entregar e um leve sabor de avaliação para que os trabalhos braçais se tornem absurdamente sedutores e relevantes, nossas mãos ganham então roupeiros para arrumar e casas para limpar, chegando ao cúmulo de tirar o pó dos móveis e lavar o boxe com escova de dente. Apenas para destacar a força do fenômeno, deixo bem claro que meu amor às lides domésticas só se manifesta nestas ocasiões de escrita, no mais das vezes, fujo das vassouras e panos com fervor.
           Além destas atividades de limpeza e organização, jogos de computador, mensagens de celular, ligações para as comadres, livros de histórias e bate-papos infindáveis pelo Whatsapp/Facebook/MSN/ICQ (ou seja lá qual for a rede social do momento) adquirem relevância e ganham status de situação urgente para nossa atenção. Inclusive neste exato instante fiz uma pequena pausa para trocar mensagens, ver um vídeo de cães brabos e fotos de gatos fofos em mesas de vidro, mas voltei e sigo escrevendo porque o prazo se foi nestes dias de “enrolação” e agora não posso mais deixar pra depois a continuação deste texto.
            O que me consola é não estar sozinha nesta vivência procrastinada de escrita, já em várias situações conversei com professores, colegas e alunos e também encontrei pessoas na mesma situação de vínculo entre a louça suja e o teclado. Inclusive existe um livro em que o autor eleva a status de arte o comportamento de delongar-se* numa espécie de manual filosófico para aproveitar-se das vantagens do pensamente (des)estruturado de quem deixa pra fazer depois mas acaba dando conta no final.Já no epílogo há citação de Mark Twain que recomenda: Nunca deixe para amanhã o que você pode fazer depois de amanhã. Seguindo as palavras do pai de Tom Sawyer, deixo a leitura completa e aprofundada do livro pra outra ocasião e continuo o raciocínio.
      Chego então a conclusão, depois de tanto ter me "enrolado", que o motivo de tanta delonga para escrever, da procrastinação ao ponto de se tornar inevitável a presença diante da folha em branco, é a forma como produzimos o melhor de nós mesmos. Ou seja, não estamos enrolando ao procrastinar, apenas damos o espaço necessário para que nossos cérebros trabalhem em paz enquanto "rodam" em segundo plano (como o Windows faz constantemente) o programa de elaboração textual necessário. Deste jeito quando sentamos pra escrever o texto parece nascer meio pronto, como a cara e a profundidade do melhor que poderíamos apresentar. Logo, a procrastinação acaba por servir como período de gestação de um texto sendo pensado em algum lugar de nossas cabeças e colocado para fora apenas quando seu prazo estoura, sua validade como ideia pensada termina e chega o momento de ganhar uma existência física. 

*PERRY, John. A arte da procrastinação: como realizar tarefas deixando-as para depois. 1ª Ed. São Paulo: Paralela,2014. 128p. (arquivo disponível em:


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