Mariana Correia
Há cinco dias tento escrever este texto
e, pelo mesmo tanto de tempo, arranjo diversas coisas aparentemente muito mais
importantes que estavam esquecidas na memória fluída da procrastinação e
resolveram pular bem quando meu cérebro e minhas mãos deveriam produzir
palavras enfileiradas em ideias coerentes.
Neste exato instante (em que finalmente
escrevo o texto do qual fugi vergonhosamente nestes cinco dias) imagino que
todos já passaram por este fenômeno: basta termos algo para escrever, um prazo
para entregar e um leve sabor de avaliação para que os trabalhos braçais se
tornem absurdamente sedutores e relevantes, nossas mãos ganham então roupeiros para
arrumar e casas para limpar, chegando ao cúmulo de tirar o pó dos móveis e
lavar o boxe com escova de dente. Apenas para destacar a força do fenômeno,
deixo bem claro que meu amor às lides domésticas só se manifesta nestas
ocasiões de escrita, no mais das vezes, fujo das vassouras e panos com fervor.
Além destas atividades de limpeza e
organização, jogos de computador, mensagens de celular, ligações para as
comadres, livros de histórias e bate-papos infindáveis pelo
Whatsapp/Facebook/MSN/ICQ (ou seja lá qual for a rede social do momento)
adquirem relevância e ganham status de situação urgente para nossa atenção.
Inclusive neste exato instante fiz uma pequena pausa para trocar mensagens, ver
um vídeo de cães brabos e fotos de gatos fofos em mesas de vidro, mas voltei e
sigo escrevendo porque o prazo se foi nestes dias de “enrolação” e agora não
posso mais deixar pra depois a continuação deste texto.
O que me consola é não estar sozinha
nesta vivência procrastinada de escrita, já em várias situações conversei com
professores, colegas e alunos e também encontrei pessoas na mesma situação de
vínculo entre a louça suja e o teclado. Inclusive existe um livro em que o
autor eleva a status de arte o comportamento de delongar-se* numa espécie de
manual filosófico para aproveitar-se das vantagens do pensamente
(des)estruturado de quem deixa pra fazer depois mas acaba dando conta no final.Já
no epílogo há citação de Mark Twain que recomenda: Nunca deixe para amanhã o
que você pode fazer depois de amanhã. Seguindo as palavras do pai de Tom
Sawyer, deixo a leitura completa e aprofundada do livro pra outra ocasião e continuo o raciocínio.
Chego então a conclusão, depois de tanto ter me "enrolado", que o motivo de tanta delonga para escrever, da
procrastinação ao ponto de se tornar inevitável a presença diante da folha em branco, é a forma como produzimos o melhor de nós
mesmos. Ou seja, não estamos enrolando ao procrastinar, apenas damos o
espaço necessário para que nossos cérebros trabalhem em paz enquanto "rodam" em
segundo plano (como o Windows faz constantemente) o programa de elaboração textual necessário.
Deste jeito quando sentamos pra escrever o texto parece nascer meio pronto,
como a cara e a profundidade do melhor que poderíamos apresentar. Logo, a procrastinação acaba por servir como
período de gestação de um texto sendo pensado em algum lugar de nossas cabeças
e colocado para fora apenas quando seu prazo estoura, sua validade como ideia pensada
termina e chega o momento de ganhar uma existência física.